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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, AS AVES QUE AQUI GORJEIAM..."


18 de dezembro, dia do migrante.
“Voltei, senhores, para minha família após uma longa ausência: sete anos, para ser mais preciso, durante os quais estudei na Europa. Aprendi muito, e muito me escapou, mas isso é uma outra história. O importante é que voltei carregado por uma saudade tremenda de minha gente, naquela pequena aldeia à curva do Nilo. Durante sete anos, senti a falta deles, sonhei com eles e, quando cheguei, foi um momento mágico, pois me encontrei de fato entre eles. Alegraram-se comigo, rodearam-me inquietos e, rapidamente, senti o gelo derreter-se dentro de mim, como um ser enregelado exposto ao sol. Havia perdido, por um tempo, em terras cujos ‘peixes morrem de frio’, essa sensação de aconchego entre os meus. Meus ouvidos estavam acostumados a suas vozes e meus olhos, a suas feições, de tanto nelas pensar durante minha ausência; mesmo assim, a princípio, entre mim e eles houve algo como a neblina, que logo se desfez. No dia seguinte à minha chegada, acordei na mesma cama, no mesmo quarto cujas paredes haviam sido testemunhas da trivialidade de minha vida na infância e na adolescência. Entreguei meus ouvidos ao vento: é um som deveras conhecido por mim, que, em nossa terra, tem um alegre sussurro. O vento quando sopra entre as palmeiras é diferente daquele que passa pelos trigais. Ouvi o murmúrio da rola e, da janela, olhei para a palmeira do nosso quintal e constatei que a vida continua boa. Contemplando o tronco forte, as raízes fincadas na terra e a copa de folhas verdes, senti-me tranquilo. Não tenho mais a sensação de ser uma pena ao vento. Sou como aquela palmeira, uma criatura que tem origem, raiz e objetivo.”

(Tempo de migrar para o Norte, de Tayeb Salih; traduzido do árabe por Safa Abou-Chahla Jubran. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004)

Tayeb Salih ou Al-Tayyib Salih (1929 - 18 de fevereiro de 2009), foi um romancista sudanês. Nascido numa comunidade de pequenos agricultores e professores de religião, migrou à Inglaterra para trabalhar na agricultura. Tendo sido professor numa escola, acabou trabalhando na rádio. Seus livros têm geralmente uma temática política, lidando com a colonização e a perspectiva de gênero. Seu romance “Tempo de migrar para o Norte”, publicado originalmente em 1966, foi declarado em 2001 “o romance árabe mais importante do século XX” pela Academia Literária da Damasco. Foi também censurado pelo governo sudanês no início da década de 1990. Seus trabalhos foram traduzidos do árabe para mais de vinte idiomas.

Enviado por Helion Povoa, do NIEM-RJ.

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