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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Relações Socioeconômicas Comparadas entre Brasil e Espanha.

Relações Socioeconômicas Comparadas entre Brasil e Espanha.

Flávio Carvalho. Sociólogo.
Coordenador da Rede de Brasileiros no Exterior.
Barcelona, outono de 2008.

"Eu me 'quedaré tranquilo, muy tranquilo'. Estou falando um pouco em espanhol aqui para que meus companheiros entendam...". (Presidente Lula, Discurso no 13º Encontro Nacional do PT, 28/04/2006).

Quando perguntado pelo Jornal El País, do dia 16 de setembro de 2007, já na primeira pergunta, o Presidente Lula não hesitou em responder que o principal motivo da sua visita à Espanha seria "realizar um debate com os empresários sobre o Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, que estamos colocando em prática no Brasil... 180 milhões de euros até 2010 para resolver problemas de infra-estruturas em portos, aeroportos, estradas e estradas de ferro". Segundo a publicação Relações econômicas entre Espanha e Brasil (Arahuetes & Hiratuka, RIE, 2007), essa seria a maior demonstração de que a viabilidade de investimentos econômicos estaria apenas iniciando entre os dois países, pois o PAC lançado pelo Presidente Lula parece feito sob encomenda para aquilo que as empresas espanholas têm se especializado ao longo dos anos.
Conhecido pelas suas populares quebras de protocolo em meio a discursos oficiais, o Presidente Lula assistiu desta vez à quebra de protocolo no discurso do Presidente Zapatero que recebia a visita do brasileiro. Segundo o Jornal Avui, de 18/09/07: "chegou ao ponto de quebrar o protocolo e dedicar ao Presidente Lula uma confissão de elogios incomum entre os Presidentes – 'Te aprecio e te admiro muito', disse Zapatero".
O Brasil (de acordo com Alfredo Arahuetes, ICADE, UPC e Real Instituto Elcano), é a oitava economia mundial mais rica, na frente da Espanha e do Canadá – segundo a metodologia de cálculo do Produto Interno Bruto pela paridade do poder aquisitivo, PIB/PPA.
A Espanha se consolida como o segundo país de investimento de recursos financeiros no Brasil, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Nos anos 1999 e 2000, com a compra de participação nas empresas elétricas privatizadas de grandes estados nordestinos como a Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, a empresa espanhola Iberdrola tornou-se a líder (mais de 58% de participação) na distribuição de energia elétrica em todo o Nordeste brasileiro. Somente no ano 2004 a Iberdrola obteve o lucro recorde de 462 milhões de euros. Naquele mesmo ano, lançava o projeto de construção do primeiro parque eólico do Brasil, Rio do Fogo, com tecnologia de ponta no setor, onde possui anos de experiência na Espanha.
A privatização dos bancos públicos e o Programa de Reestruturação Financeira dos Bancos, no Governo Cardoso, ajudaram a aquisição de bancos privados como o Banco Econômico, com 100% do seu capital adquirido por bancos espanhóis. O Santander já é o segundo maior banco privado do Brasil.
Telefônica Celular, também espanhola, possui mais clientes no Brasil (28 milhões) do que na Espanha (19,6 milhões). "O certo é que a empresa espanhola não oculta seu interesse por tudo que tenha a ver com o mercado brasileiro", afirma Enric González, no jornal El País de 12/09/2006.
Se a gigantesca Petrobrás é a primeira grande empresa do Brasil, em número absoluto de investimentos, a espanhola Repsol YPF é a segunda. Apesar de possuir apenas 25% das ações de investimento de perfuração de águas profundas (Petrobrás possui 45% das ações e British Gás possui os demais 30%), grandes jornais espanhóis e catalães não hesitaram em estampar em suas manchetes que "Repsol encontrou petróleo no mar do Brasil" (jornal Avui, 11/09/07).
Segundo Júlio César do Nascimento, diretor de COPCA São Paulo (a filial brasileira da Agência Catalã de Investimentos, da Generalitat, o Governo autonômico da Catalunha), já no ano 2002 o Brasil foi o quarto principal destino dos investimentos de empresas catalãs e no ano seguinte, passaria a ser o segundo país receptor de estabelecimento de empresas catalãs, de acordo com um estudo realizado pela própria Agência, em parceria com o ESADE.
A diversificação das relações comerciais com o Brasil, sobretudo por parte das pequenas e médias empresas catalãs, assegura o fato de que apenas esta importante comunidade autônoma da Espanha seja responsável por quase 40% de toda a relação comercial entre os dois países.
Em 2006 a empresa catalã Genebre S.A. ganhou o Premio da Generalitat da Catalunha de Inovação Empresarial. Especializada em desenho e fabricação de válvulas hidráulicas e torneiras, registros e barras de ferro para banheiros adaptados a deficientes físicos. O próprio Presidente da Genebre, Miquel Paris, atribuía a expansão da empresa ao Brasil, com o crescimento da exportação àquele país de 11% em 1999 para quase 40% em 2006, o aumento de dez para quarenta funcionários e a construção de seis mil metros quadrados da empresa em São Paulo, como o principal fator ao qual atribuía a conquista daquele importante prêmio para o marketing empresarial.
Para aprender português em Barcelona, se qualquer empresário catalão tiver interesse no Brasil, já existe mais de uma dezena de estabelecimentos de ensino que podem fazer esse tipo de formação (o Centro de Estudos Brasileiros, vinculado oficialmente ao Consulado; a Universidade de Barcelona, com a Faculdade de Filologia Galega e Portuguesa; a Escola Oficial de Idiomas da Generalitat da Catalunha; a Universidade Autônoma de Barcelona, com a Faculdade de Tradução e Interpretação e o Instituto Camões, Centro de Língua Portuguesa, dentre outros). O Presidente Lula foi recentemente condecorado com o Prêmio Cervantes, pelas mãos do Rei (amigo pessoal, em palavras do próprio), Presidente e principais empresários espanhóis, pela iniciativa do ensino de castelhano nas escolas públicas brasileiras. Brasileiros como Nélida Piñon, Oscar Niemeyer, Paulo Coelho, dentre outros (como já aconteceu com o próprio Presidente Lula), foram agraciados por premiações espanholas como o Príncipe de Astúrias. Sem falar na evidência protagonista de grandes artistas e desportistas ocupando parte expressiva do cenário cultural e esportivo espanhol e do significativo aumento da emigração brasileira na Espanha.
No ano passado, o futebolista Ronaldo, dividia com o ator Antônio Banderas, o anúncio publicitário mais caro publicado nos jornais espanhóis: a partir de 52.250 euros, a construtora espanhola Sánchez, convidava qualquer pessoa a ser vizinhos destes astros na capital do Estado brasileiro do Rio Grande do Norte. Além do Grupo Sánchez, na Espanha estrearam campanhas publicitárias de grande porte sobre o mercado brasileiro as imobiliárias Dico, Ámbito, Avantis, Madridlisboa, Optimum Pacheco, Promaga, Íris, Valero e TPC. Os investimentos imobiliários espanhóis no exterior cresceram 70% no ano 2007, em relação ao ano anterior (El País, 02/11/07). No Brasil, um dos principais receptores dos dois milhões de euros do mercado espanhol naquele ano, os investimentos imobiliários vindos do exterior já superam os investimentos das telecomunicações e cresce ao ritmo de 9,7% ao ano, com uma revalorização média anual de 20% sobre o metro construído, segundo a Associação de Empresários Imobiliários do Brasil à mesma fonte anterior.
Como país convidado do Barcelona Meeting Point BMP 2007, o Brasil possuía o maior espaço de exposição imobiliária, com quatro mil metros quadrados dos 70 mil de toda a Feira de Barcelona. No ano seguinte, o BMP não se esquecia do Brasil e o sorteio principal entre os participantes foi justamente viagens àquele país.
Não por mera coincidência, neste ano 2008, o Brasil foi o país convidado da mais importante exposição de artes de Madrid, a Arco 2008, com 32 galerias brasileiras convidadas.
Em termos comparativos, o Brasil possui uma superfície territorial onde caberiam mais de 17 Espanhas. Somente a região do Pantanal de Matogrosso, com seus 230 mil quilômetros quadrados, equivale à metade de toda a Espanha.
O Brasil é hoje, em todo o mundo, o país que possui a mais diversificada e equilibrada pauta de comércio exterior (importações ou exportações). Até o final do século passado, o Brasil exportava à Espanha, principalmente soja, café, tabaco, carne (de ave e bovina, sobretudo), couro, frutas, ferro, aço e madeira (desta última, seria o principal exportador a toda a Península Ibérica, desde que era uma colônia de Portugal). Ainda é importante dizer que, segundo a ONG WWF, a Espanha é o terceiro importador de madeira do mundo (atrás da França e China) e o principal importador de madeira brasileira. Da mesma forma, o Brasil importava da Espanha máquinas (como furadeiras), ferramentas metalúrgicas, plásticos, eletrodomésticos e azeite de oliva.
Esta lista se diversificou no século 21 e agora haveríamos de acrescentar o intercâmbio tecnológico entre os dois países em setores inovadores como a informática e os serviços especializados de indústria e gestão empresarial, além do comércio de medicamentos, livros, impressos, embalagens e de equipamentos para a indústria automobilística e aeronáutica. Ou se preferirmos ser mais específicos, a Espanha é hoje uma enorme importadora de cosméticos brasileiros e segundo a Associação Brasileira de Artigos de Perfumaria e Cosmética, as exportações cresceram 152% em relação à virada do milênio.
Intensifica-se o intercâmbio tecnológico em temas de biocombustíveis entre os dois países na mesma medida em que um e outro ascendem na posição mundial de produtores de bioetanol (o Brasil em segundo lugar, depois dos Estados Unidos, e a Espanha em nono, com a maior quantidade européia de projetos de geração de biocombustíveis em construção neste momento).
Os empreendimentos comerciais entre Brasil e Espanha hoje não se detêm apenas no exemplo de uma "mera coincidência" de que enquanto o Brasil corresponde ao segundo maior mercado consumidor mundial de azulejos, pisos e material para banheiros, a Catalunha, por exemplo, é a terra natal da Rocca, uma das maiores exportadoras mundiais de vasos e produtos sanitários do mundo (nas raras circunstâncias em que algumas marcas são sinônimos de usos culturais dos produtos que vendem).
Em tempos de privilégio dos recursos naturais sobre qualquer outro recurso econômico, o Brasil é o país de maior biodiversidade no mundo. Biodiversidade essa que muitos chamam de o "ouro do futuro". Certamente, o Brasil é por isso o primeiro produtor mundial de biocomponentes ativos para fins medicinais. De cada dez novos medicamentos surgidos no século passado, sete não seriam criados sem substâncias farmacológicas brasileiras. Não é a toa que o Centro de Estudos Amazônicos da Catalunha afirma que apenas um hectare não degradado da biosfera amazônica pode possuir mais biodiversidade que toda a Europa.
A maior reserva ecológica do planeta, criada no ano passado por decreto do Governo do Estado do Pará, em plena Amazônia brasileira, possui 16,4 milhões de hectares. Uma área equivalente à superfície de três países europeus juntos: Portugal, Dinamarca e Suíça (segundo Paulo Adario, da ONG Greenpeace Brasil).
Possuindo a agricultura como principal motor econômico (apesar de ter apenas 14% das áreas cultiváveis efetivamente cultivadas – um indicador que voltou a crescer no Governo Lula, depois de 12 anos de estagnação), no Brasil, um de cada quatro empregos está relacionado com a produção de alimentos. Na Espanha, essa proporção é apenas de um para cada 26. Para ter uma melhor idéia desse peso econômico, somente a produção de café, onde o Brasil é historicamente o primeiro grande produtor mundial, emprega, diretamente ou indiretamente, um de cada dez habitantes brasileiros (segundo Susanna Cuadras, Fórum Café, considerando uma população de mais de 180 milhões de brasileiros).
Na cidade catalã de Sant Boi del Llobregat, recentemente se anunciava uma importante exportação de materiais de biocompostagem (técnica de adubação orgânica) para o imenso gigante agrícola, o Brasil. Nesse exemplo de negócio, o Brasil entra com as terras de dimensões continentais e a cultura agrícola, enquanto essa cidade catalã de médio porte entra com a experiência tecnológica e o comércio de recipientes de depósitos de material orgânico (uma experiência de anos em que algumas prefeituras catalãs investem no recolhimento de lixo orgânico, regulamentado por legislação autonômica).
Em 2007, além de dedicar uma importante convocatória de projetos socioculturais que tivessem como país prioritário o Brasil (e que articulassem naquele país a concepção de cultura como instrumento de transformação social, de acordo com uma estratégia política do Ministro Gilberto Gil), a União Européia aprovou o investimento no Brasil de 42,7 milhões de euros em projetos sociais no Brasil, durante cinco anos.
"Para a revista inglesa 'The Economist', o Brasil jamais esteve tão preparado para enfrentar turbulências. Para o jornal 'Financial Times', a economia brasileira parece hoje imune à crise americana" (Caetano e Paduan, Revista Exame, 06/03/2008). 86% dos presidentes de 136 das maiores empresas estrangeiras entrevistadas por esta mesma Revista, afirmaram que hoje investem no Brasil mais do que há cinco anos.
O antropólogo Lévi-Strauss, costumava dizer que São Paulo se desenvolve com uma velocidade tão grande que a cada semana necessita de uma nova edição do seu mapa. A Bienal de Artes de São Paulo, cujo pavilhão foi desenhado pelo arquiteto que obteve mais prêmios no século passado (o já citado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer), só perde em importância (mas ganha em visitantes) para a Bienal de Veneza. Já se tornou uma expressão clássica lembrar que São Paulo, com mais de 500 helicópteros privados e aproximadamente 100 heliportos possui maior trânsito aéreo privado que Nova York, perdendo apenas para Tókio.
No ano 2006 ocorreu o inédito nivelamento entre a quantidade de espanhóis que visitam o Brasil (237 mil turistas, segundo a Organização Mundial do Turismo, citada no El País de 28/01/2008, ocupando o nono país de origem dos visitantes ao Brasil) e a quantidade de brasileiros que desembarcam na Espanha (também em torno de 200 mil pessoas).
Em matéria de turismo, o maior potencial de investimento entre os dois países, na opinião de grandes analistas da relação Brasil/Espanha, é importante ainda destacar que as principais empresas espanholas já se encontram em território brasileiro: Sol Meliá (catalães, com mais de 40 hotéis no Brasil), Barceló (também catalães, com 10 hotéis), NH, SERHS, Iberostar, dentre os mais expressivos.
Hoje não se pode falar de Inversão Estrangeira Direta no Brasil, sem citar os nomes das espanholas OHL, Endesa, Gás Natural (CEG Rio), Calvo (Gomes da Costa), Santillana (Editora Moderna), CIE (Durametal), Prisa Editorial, etc. Sem falar nos Bancos Santander e BBVA, como em organismos financeiros como a catalã La Caixa, dentre outros.

Todavia, não se pode esquecer, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil ainda possui 36,3% da sua população em estado de pobreza.

"Pero ¿cómo se puede ser feliz en un país donde el 1% de la población acapara una riqueza mayor que la que posee la mitad de los 186 millones de habitantes? ¿Feliz en un país con 14,6 millones de analfabetos? (…) ¿Feliz en un lugar donde 54 millones de personas viven con menos de 55 euros al mes? ¿En un país que en 2005 se permitió el lujo de tallar en la Amazonia un área equivalente a Suiza y en 2004 una zona tan grande como Israel?". Pergunta "El secreto de la felicidad", o espanhol Francisco Perejil (El País, 26/08/2006).

De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, citando uma pesquisa realizada pela Revista Veja, CPDoc e ISER, 84% dos brasileiros entrevistados acham que ser brasileiro é motivo de orgulho e apenas 5% julgam tal fato ser motivo de vergonha.

"Durante seis décadas, o título do livro de um escritor de sucesso na Europa (Stephen Zweig, austríaco que se exilou do nazismo no Rio de Janeiro, aonde viria a suicidar-se junto com a sua mulher, em pleno carnaval de 1942), virou piada. A 'Brasil, País do Futuro' acrescentava-se um 'eterno' após a vírgula, reforçando a idéia da promessa adiada. Agora, os risos acabaram. A prestigiada 'Economist' dedicou este mês (maio de 2008) quatro páginas à potência econômica Brasil, um 'Eldorado'" (Norma Couri, Revista Visão, maio de 2008).

Estamos assistindo a algo como se o futuro de desconstrução de estereótipos associados à Espanha das touradas de Madrid e ao Brasil do carnaval do Rio estivesse apenas começando.

Nada é mais significativo que o Presidente Lula fazer auto-comparação e ser comparado ao mesmo tempo com um dos maiores clássicos da literatura universal: Dom Quixote de La Mancha. Enquanto o escritor Carlos Fuentes chegou a comparar o Presidente do Brasil também com a estatura física de um Sancho Pança, todos os veículos de comunicação da Espanha traziam no dia do Prêmio Cervantes uma referência entre o Presidente mais popular de toda a história do Brasil e o segundo livro mais popular de toda a história mundial (depois da Bíblia, o clássico espanhol e universal de Miguel de Cervantes).

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